segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

PERTENCIMENTO: é “agir” com propósito

 

WAMSER, Eliane

elianewamser@outlook.com

 Certa tarde de julho de 2015, minha sobrinha Emily, sua amiga Fran e eu conversávamos na cozinha sobre o que estavam estudando na escola. Emily prontamente disse que em Ciências estavam desenvolvendo um projeto sobre a Mata Atlântica. E eu, diante de minha sabedoria de tia, disse:

- Emily, você lembra que no ano passado ficamos um final de semana na casa do avô da Fran no meio da floresta? Lá estávamos cercados pela Mata Atlântica.

E ela respondeu: “Tia Eliane, você sabia que aqui na sua casa você tem Mata Atlântica?”

 Imediatamente ela saiu da cozinha e foi até o escritório. Parou defronte a impressora, tirou uma folha de papel A4, mostrou-me dizendo: “Tia Eliane, isso aqui é Mata Atlântica.”

Minha resposta gaguejando: “Você tem razão, Emily. Quanta Mata Atlântica eu tenho aqui em casa. E na estante de livros então?”

Na sua maneira singela, Emily demonstrou e exercitou seu sentimento de pertencimento à natureza. Aliás, um sentimento que praticamos (ou deveríamos praticar) no cotidiano onde moramos, onde trabalhamos, onde nos divertimos, onde estudamos, no grupo de amigos com os quais convivemos.

Zanetti (2010) lembra que o fato de se pertencer a uma coletividade ser tão antiga e óbvia não se dá conta de sua importância. Segundo ele, o senso de pertencimento nos dá a sensação de participarmos de alguma coisa maior do que nós mesmos. Dá-nos força e incentivo para lutar por uma causa, que será comum também para aqueles que estão ao nosso lado no dia-a-dia. 

Temos consciência desse pertencimento ao cosmos, mesmo praticando pequenas ações, assim como uma menina de 8 anos de idade?

Pequenas ações que fazem muita diferença no todo. Fazem e farão muita diferença em nosso ambiente de trabalho que conta com o envolvimento de cada um na construção de um mundo mais harmonioso, mais fraterno, solidário, com consciência ecológica, relacional e sustentável.

As pessoas precisam e se sentem bem ao dizer que fazem parte de algum grupo ou programa, ou ação; têm orgulho em pertencer àquele momento da história, segundo Zanetti (2010). No senso comum, dizemos que o ser humano nasceu para viver em sociedade, porque não consegue viver sozinho. Estudiosos defendem que a leitura de mundo de uma pessoa está amparada em sua história de vida. 

Quando se refere à situação planetária e ao futuro do cosmos, D´Ambrósio (1997) evidencia que cada um de nós é o que é, dentro de determinado contexto. Como educador matemático brasileiro e internacional, um defensor de se promover uma cultura planetária, uma educação multicultural, uma educação para a paz, capaz de eliminar as diferenças, o autor assevera que é necessário entender o homem na sua integralidade porque é o homem integral “que procura entender a sua posição ao longo da história e procura adquirir conhecimento para sobreviver e transcender.” (p. 30).

Afirma, ainda, que estamos inseridos no cosmos e que “somos tudo isso ao mesmo tempo, uma realidade individual, uma realidade social, uma realidade planetária, uma realidade cósmica. Temos que entrar em harmonia com tudo isso. Temos que entrar em harmonia com a gente mesmo, em harmonia com a sociedade, com o planeta e com o cosmos.” (D`AMBRÓSIO, 1977, p. 33).

O autor trata de nossos relacionamentos com nossos semelhantes e com a própria natureza. Da interdependência entre o ambiente e o nosso ser, entre nosso pensamento, que incorporamos por meio da percepção captada pelos órgãos dos sentidos. Interdependência essa que por si só implica um imenso respeito que devemos ter diante das diferenças, da diversidade entre os seres, das diferenças cultural e social.

O fato de sermos interdependentes e inseparáveis de um Todo Cósmico, onde ações nossas em Blumenau, os desmatamentos no Pará, a desertificação no Nordeste, o derretimento das camadas de gelo no Polo Ártico, o aumento do nível dos oceanos, a exaustão dos aquíferos, o aquecimento global, tudo impacta na natureza, em nossa realidade e na realidade do próximo, onde quer que se esteja.

D`Ambrosio (1997, p. 30) enfatiza que buscamos no cosmos a nossa posição e que é “somente a partir da hora que eu reconheço que eu sou eu é que sou um indivíduo. Mas eu sou nada se não tiver o outro.” Um reconhecimento que buscamos quando pertencemos a um meio e nesse meio sentimo-nos integrados.

Para Abraham Maslow, psicólogo americano, o ser humano, como ser social, tem uma necessidade de pertencer a um grupo. Acreditava que muito do comportamento do ser humano pode ser explicado pelas suas necessidades e pelos seus desejos. Na pirâmide das necessidades que elaborou, a necessidade de pertencer ocupa o terceiro degrau. Conforme Zohar e Marshall (2004), ao se referirem à hierarquia das necessidades de Maslow, afirmam que, além da necessidade de sobrevivência a qualquer custo, seguida pela necessidade de segurança, são contempladas necessidades mais elevadas, como estabelecer vínculos sociais (sensação de pertencer), ter autoestima e auto atualização, que denominam de necessidade de crescimento espiritual e psicológico e de encontrar sentido na vida.

Os autores ainda lembram que desde que Maslow elaborou sua pirâmide, houve um constante progresso nos estudos de psicólogos, antropólogos e neurocientistas para entender melhor a natureza humana. Estudos revelaram que os seres humanos são primariamente criaturas que procuram significado e valor (auto atualização). “Precisamos da sensação de que estamos fazendo algo que vale a pena e do impulso de um propósito.” (ZOHAR, MARSHALL, 2004, p. 34). O ser humano precisa se sentir aceito, útil, valoroso. Em suma, fazendo parte de algo.

Aliado a isso, há a exigência do mercado de trabalho e o fato de que não haverá espaço para profissionais que apenas se contentam em cumprir suas horas, fazer o seu trabalho e ir para casa. Terão que assumir responsabilidades, trabalhar por metas com as especificações de desempenho.

Da mesma forma que é preciso nutrir o sentimento de pertencimento ao Cosmos para cada um atingir seu estado de paz interior, que por sua vez é essencial, nas palavras de D`Ambrosio (1997), para que se encontre uma paz social, entendemos que é preciso se desenvolver o sentimento de pertencimento à profissão e ao cargo que se opta ter para se inserir e atuar no mundo do trabalho.

A consciência de pertencimento, ou o sentimento de pertencimento de um profissional, não é automático, e nem acontece imediatamente a partir do momento em que, por intermédio de seu processo de formação, tem a condição de entrar e se manter no grupo profissional. O comprometimento com o grupo profissional é uma estratégia para lutar por uma colocação no mercado de trabalho. Porém, não unicamente. O comprometimento também resulta na criação de um vínculo que permite contribuir com o grupo, sentir-se integrado e fazendo parte da construção da história desse grupo.

É sobremodo importante refletir e buscar uma compreensão, mesmo que preliminar, do sentimento de pertencimento que permeia nossa atuação profissional. Torna-se necessário, contudo, aprender a olhar sob uma perspectiva mais global, holística, integral. Um aprendizado que vai exigir de cada um de nós um grande esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais de uma visão de mundo cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos relacionamentos, não reconhece a importância do contexto no qual estamos inseridos.

A ausência de pertencimento gera a onda do descartável, do desapego: nos relacionamentos, nos empregos, com as pessoas, com o conhecimento construído, com a história de vida vivida. As inovações tecnológicas de comunicação e informação, tão presentes em nosso cotidiano profissional e pessoal, deram-nos tanta ilusão de autossuficiência que nos fizeram esquecer de que somos parte de algo maior. Hoje, evitamos o envolvimento, privilegiamos o distanciamento. Evitamos o contato face a face e servir o outro. Contudo, queremos estar em todos os lugares, virtualmente.

Como então desenvolver o sentimento de pertencimento?

Torna-se necessário aprender a ter um olhar sob uma perspectiva mais global, holística, integral, onde o “todo seria mais do que a soma das partes”, de acordo com Edgar Morin, lembrado por Moraes (1997, p. 72). E ao mesmo tempo “o todo está também em cada parte”, no que a autora destaca que “um indivíduo não está somente dentro da sociedade, mas a sociedade enquanto todo está também dentro do indivíduo (através de seus hábitos culturais, das influências em suas mentais etc)”.

Essa visão, para Moraes (1997, p. 73), “nos leva a compreender o mundo físico como uma rede de relações, de conexões, e não mais como uma entidade fragmentada, uma coleção de coisas separadas”. Vai exigir de cada um de nós um grande esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais de uma visão de mundo cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos relacionamentos, não reconhece a importância do contexto no qual estamos inseridos.

De forma mais objetiva, no sentido de desenvolver maior sentimento de pertencimento, a educação (entendida aqui como capacitação permanente) pode colaborar ajudando o profissional, num primeiro momento,  ter uma melhor compreensão de si mesmo (autoconhecimento), para saber quem é, qual o seu mais alto potencial, quais os seus talentos, as suas qualidades e os defeitos que possui.

Num segundo momento, a educação pode ajudá-lo a desenvolver uma autoconsciência crescente do que é importante na vida e na profissão, de que a sua responsabilidade é bem mais ampla do que o cargo que ocupa em uma instituição. O ser humano tem a obrigação de assumir alguma responsabilidade pela sociedade da qual faz parte.

Em terceiro ponto, a educação pode ajudar a construir uma postura profissional pautada em princípios e valores éticos, traduzidos em credibilidade, envolvimento, comprometimento e respeito com a coletividade em forma de liderança. Profissionais capacitados e qualificados: técnica, metodológica e moralmente. Pessoas íntegras, com sabedoria para servir a algo maior do que a si próprias.

De forma resumida, o sentimento de pertencimento deve levar um profissional a uma consciência de maior significado, a uma visão animadora ou inspiradora, a um profundo senso de propósito como ser humano e profissional.

Um profissional não pode mensurar o pertencimento à profissão ou ao cargo  unicamente pelo valor de seu contracheque no final de cada mês. Mas, deve mensurá-lo pelo nível de sentimentos de realização, gratidão, respeito, de bem estar, da melhoria de seu entorno, do contexto no qual está inserido, em ganho de qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

D`AMBRÓSIO, U. A era da consciência. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 1997.

MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas, SP: Papirus, 1997.

MUSSAK, E. Metacompetência: uma nova visão do trabalho e da realização pessoal. São Paulo: Editora Gente, 2003.

ZANETTI, E. Senso de Pertencimento. Disponível em: http://www.eloizanetti.com.br/blog/ 2010/09/senso-de-pertencimento/. Acesso em: 8 mai. 2016.

ZOHAR, D.; MARSHALL, I. Capital espiritual: usando as inteligências racional, emocional e espiritual para realizar transformações pessoais e profissionais. Rio de Janeiro: BestSeller, 2006.