WAMSER, Eliane
elianewamser@outlook.com
Certa
tarde de julho de 2015, minha sobrinha Emily, sua amiga Fran e eu conversávamos
na cozinha sobre o que estavam estudando na escola. Emily prontamente disse que
em Ciências estavam desenvolvendo um projeto sobre a Mata Atlântica. E eu,
diante de minha sabedoria de tia, disse:
-
Emily, você lembra que no ano passado ficamos um final de semana na casa do avô
da Fran no meio da floresta? Lá estávamos cercados pela Mata Atlântica.
E
ela respondeu: “Tia Eliane, você sabia
que aqui na sua casa você tem Mata Atlântica?”
Imediatamente ela
saiu da cozinha e foi até o escritório. Parou defronte a impressora, tirou uma
folha de papel A4, mostrou-me dizendo: “Tia
Eliane, isso aqui é Mata Atlântica.”
Minha
resposta gaguejando: “Você tem razão,
Emily. Quanta Mata Atlântica eu tenho aqui em casa. E na estante de livros
então?”
Na
sua maneira singela, Emily demonstrou e exercitou seu sentimento de
pertencimento à natureza. Aliás, um sentimento que praticamos (ou deveríamos
praticar) no cotidiano onde moramos, onde trabalhamos, onde nos divertimos,
onde estudamos, no grupo de amigos com os quais convivemos.
Zanetti
(2010) lembra que o fato de se pertencer a uma coletividade ser tão antiga e
óbvia não se dá conta de sua importância. Segundo ele, o senso de pertencimento
nos dá a sensação de participarmos de alguma coisa maior do que nós mesmos.
Dá-nos força e incentivo para lutar por uma causa, que será comum também para aqueles
que estão ao nosso lado no dia-a-dia.
Temos
consciência desse pertencimento ao cosmos, mesmo praticando pequenas ações,
assim como uma menina de 8 anos de idade?
Pequenas
ações que fazem muita diferença no todo. Fazem e farão muita diferença em nosso
ambiente de trabalho que conta com o envolvimento de cada um na construção de
um mundo mais harmonioso, mais fraterno, solidário, com consciência ecológica,
relacional e sustentável.
As
pessoas precisam e se sentem bem ao dizer que fazem parte de algum grupo ou
programa, ou ação; têm orgulho em pertencer àquele momento da história, segundo
Zanetti (2010). No senso comum, dizemos que o ser humano nasceu para viver em
sociedade, porque não consegue viver sozinho. Estudiosos defendem que a leitura
de mundo de uma pessoa está amparada em sua história de vida.
Quando
se refere à situação planetária e ao futuro do cosmos, D´Ambrósio (1997)
evidencia que cada um de nós é o que é, dentro de determinado contexto. Como
educador matemático brasileiro e internacional, um defensor de se promover uma
cultura planetária, uma educação multicultural, uma educação para a paz, capaz
de eliminar as diferenças, o autor assevera que é necessário entender o homem
na sua integralidade porque é o homem integral “que procura entender a sua
posição ao longo da história e procura adquirir conhecimento para sobreviver e transcender.” (p. 30).
Afirma,
ainda, que estamos inseridos no cosmos e que “somos tudo isso ao mesmo tempo,
uma realidade individual, uma realidade social, uma realidade planetária, uma
realidade cósmica. Temos que entrar em harmonia com tudo isso. Temos que entrar
em harmonia com a gente mesmo, em
harmonia com a sociedade, com o
planeta e com o cosmos.” (D`AMBRÓSIO, 1977, p. 33).
O
autor trata de nossos relacionamentos com nossos semelhantes e com a própria
natureza. Da interdependência entre o ambiente e o nosso ser, entre nosso
pensamento, que incorporamos por meio da percepção captada pelos órgãos dos
sentidos. Interdependência essa que por si só implica um imenso respeito que
devemos ter diante das diferenças, da diversidade entre os seres, das
diferenças cultural e social.
O
fato de sermos interdependentes e inseparáveis de um Todo Cósmico, onde ações
nossas em Blumenau, os desmatamentos no Pará, a desertificação no Nordeste, o
derretimento das camadas de gelo no Polo Ártico, o aumento do nível dos
oceanos, a exaustão dos aquíferos, o aquecimento global, tudo impacta na
natureza, em nossa realidade e na realidade do próximo, onde quer que se
esteja.
D`Ambrosio
(1997, p. 30) enfatiza que buscamos no cosmos a nossa posição e que é “somente
a partir da hora que eu reconheço que eu sou eu é que sou um indivíduo. Mas eu sou nada se não tiver o outro.” Um reconhecimento que buscamos quando
pertencemos a um meio e nesse meio sentimo-nos integrados.
Para
Abraham Maslow, psicólogo americano, o ser humano, como ser social, tem uma
necessidade de pertencer a um grupo. Acreditava que muito do comportamento do
ser humano pode ser explicado pelas suas necessidades e pelos seus desejos. Na
pirâmide das necessidades que elaborou, a necessidade de pertencer ocupa o
terceiro degrau. Conforme Zohar e Marshall (2004), ao se referirem à hierarquia
das necessidades de Maslow, afirmam que, além da necessidade de sobrevivência a
qualquer custo, seguida pela necessidade de segurança, são contempladas
necessidades mais elevadas, como estabelecer vínculos sociais (sensação de
pertencer), ter autoestima e auto atualização, que denominam de necessidade de
crescimento espiritual e psicológico e de encontrar sentido na vida.
Os
autores ainda lembram que desde que Maslow elaborou sua pirâmide, houve um
constante progresso nos estudos de psicólogos, antropólogos e neurocientistas
para entender melhor a natureza humana. Estudos revelaram que os seres humanos
são primariamente criaturas que procuram significado e valor (auto atualização).
“Precisamos da sensação de que estamos fazendo algo que vale a pena e do
impulso de um propósito.” (ZOHAR, MARSHALL, 2004, p. 34). O ser humano precisa
se sentir aceito, útil, valoroso. Em suma, fazendo parte de algo.
Aliado
a isso, há a exigência do mercado de trabalho e o fato de que não haverá espaço
para profissionais que apenas se contentam em cumprir suas horas, fazer o seu
trabalho e ir para casa. Terão que assumir responsabilidades, trabalhar por
metas com as especificações de desempenho.
Da
mesma forma que é preciso nutrir o sentimento de pertencimento ao Cosmos para
cada um atingir seu estado de paz interior, que por sua vez é essencial, nas
palavras de D`Ambrosio (1997), para que se encontre uma paz social, entendemos
que é preciso se desenvolver o sentimento de pertencimento à profissão e ao
cargo que se opta ter para se inserir e atuar no mundo do trabalho.
A consciência
de pertencimento, ou o sentimento de pertencimento de um profissional, não é
automático, e nem acontece imediatamente a partir do momento em que, por
intermédio de seu processo de formação, tem a condição de entrar e se manter no
grupo profissional. O comprometimento com o grupo profissional é uma estratégia
para lutar por uma colocação no mercado de trabalho. Porém, não unicamente. O
comprometimento também resulta na criação de um vínculo que permite contribuir
com o grupo, sentir-se integrado e fazendo parte da construção da história
desse grupo.
É
sobremodo importante refletir e buscar uma compreensão, mesmo que preliminar,
do sentimento de pertencimento que permeia nossa atuação profissional. Torna-se
necessário, contudo, aprender a olhar sob uma perspectiva mais global,
holística, integral. Um aprendizado que vai exigir de cada um de nós um grande
esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais de uma visão de mundo
cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos relacionamentos, não reconhece a
importância do contexto no qual estamos inseridos.
A
ausência de pertencimento gera a onda do descartável, do desapego: nos
relacionamentos, nos empregos, com as pessoas, com o conhecimento construído,
com a história de vida vivida. As inovações tecnológicas de comunicação e
informação, tão presentes em nosso cotidiano profissional e pessoal, deram-nos
tanta ilusão de autossuficiência que nos fizeram esquecer de que somos parte de
algo maior. Hoje, evitamos o envolvimento, privilegiamos o distanciamento. Evitamos
o contato face a face e servir o outro. Contudo, queremos estar em todos os
lugares, virtualmente.
Como então desenvolver o
sentimento de pertencimento?
Torna-se
necessário aprender a ter um olhar sob uma perspectiva mais global, holística,
integral, onde o “todo seria mais do que a soma das partes”, de acordo com
Edgar Morin, lembrado por Moraes (1997, p. 72). E ao mesmo tempo “o todo está
também em cada parte”, no que a autora destaca que “um indivíduo não está
somente dentro da sociedade, mas a sociedade enquanto todo está também dentro
do indivíduo (através de seus hábitos culturais, das influências em suas
mentais etc)”.
Essa
visão, para Moraes (1997, p. 73), “nos leva a compreender o mundo físico como
uma rede de relações, de conexões, e não mais como uma entidade fragmentada,
uma coleção de coisas separadas”. Vai exigir de cada um de nós um grande
esforço, diariamente, para nos afastarmos sempre mais de uma visão de mundo
cartesiana, mecânica, que nos separa de nossos relacionamentos, não reconhece a
importância do contexto no qual estamos inseridos.
De
forma mais objetiva, no sentido de desenvolver maior sentimento de
pertencimento, a educação (entendida aqui como capacitação permanente) pode
colaborar ajudando o profissional, num primeiro momento, ter uma melhor compreensão de si mesmo
(autoconhecimento), para saber quem é, qual o seu mais alto potencial, quais os
seus talentos, as suas qualidades e os defeitos que possui.
Num
segundo momento, a educação pode ajudá-lo a desenvolver uma autoconsciência
crescente do que é importante na vida e na profissão, de que a sua
responsabilidade é bem mais ampla do que o cargo que ocupa em uma instituição. O
ser humano tem a obrigação de assumir alguma responsabilidade pela sociedade da
qual faz parte.
Em
terceiro ponto, a educação pode ajudar a construir uma postura profissional
pautada em princípios e valores éticos, traduzidos em credibilidade,
envolvimento, comprometimento e respeito com a coletividade em forma de
liderança. Profissionais capacitados e qualificados: técnica, metodológica e
moralmente. Pessoas íntegras, com sabedoria para servir a algo maior do que a
si próprias.
De forma
resumida, o sentimento de pertencimento deve levar um profissional a uma
consciência de maior significado, a uma visão animadora ou inspiradora, a um
profundo senso de propósito como ser humano e profissional.
Um
profissional não pode mensurar o pertencimento à profissão
ou ao cargo unicamente pelo valor de seu
contracheque no final de cada mês. Mas, deve mensurá-lo pelo nível de
sentimentos de realização, gratidão, respeito, de bem estar, da melhoria de seu
entorno, do contexto no qual está inserido, em ganho de qualidade de vida.
REFERÊNCIAS
D`AMBRÓSIO,
U. A era da consciência. São Paulo:
Editora Fundação Peirópolis, 1997.
MORAES,
M. C. O paradigma educacional emergente.
Campinas, SP: Papirus, 1997.
MUSSAK, E. Metacompetência: uma nova visão do trabalho e da realização
pessoal. São Paulo: Editora Gente, 2003.
ZANETTI, E. Senso de Pertencimento. Disponível em: http://www.eloizanetti.com.br/blog/
2010/09/senso-de-pertencimento/. Acesso em: 8 mai.
2016.
ZOHAR, D.; MARSHALL, I. Capital espiritual: usando as inteligências racional, emocional e
espiritual para realizar transformações pessoais e profissionais. Rio de
Janeiro: BestSeller, 2006.